Resumo: Tendo em vista o conjunto dos aspectos formadores da história da gastronomia coreana e a análise das suas representações no mundo cada vez mais cosmopolita, pretende-se, através deste trabalho, lançar uma contribuição, no sentido de ressaltar a importância da gastronomia como manifestação cultural e o papel que desempenha na manutenção da identidade da comunidade coreana em São Paulo, a partir do esforço promovido por seus integrantes a fim de preservá-la. Através do estudo de todos os elementos que englobam a sua culinária, foi possível desvendar as leis gerais estruturantes da sociedade coreana, e observar que a alimentação, enquanto prática associada a diversas representações, permite compreender como a comunidade coreana imprime constantemente ao mundo suas vontades, crenças e valores, denotando como extremamente importante a dimensão social que tem sua gastronomia. Mesmo entre os descendentes, que têm em seu círculo de relacionamento um vínculo menos estreito com a comunidade, é notória a prática da alimentação coreana, o que contribui para a constituição de uma condição identitária própria. Por isso, este trabalho revela a importância das questões simbólicas embutidas nesse processo e a projeção dos seus múltiplos significados.
Palavras chaves: Imigrante Sul-Coreano, Culinária Coreana, Identidade, Alimentação.
Introdução
A alimentação é um componente essencial da vida das pessoas e, como tal, é muito mais que apenas um meio de sobrevivência, é também um dos principais fatores que influenciam na maneira como nos percebemos e percebemos os outros. A alimentação está presente na vida do ser humano desde os seus primeiros anos de vida, fazendo parte do processo de construção da percepção do mundo do sujeito, encontrando-se muito ligada à figura materna e à tradição, que vão se desdobrando nos padrões que permeiam o processo de socialização do indivíduo. Através do projeto de mestrado, focando a situação dos expatriados sul-coreanos em São Paulo, com o objetivo de analisar sua sociabilização na cidade, foi percebida a importância da culinária nativa para a estruturação da vida deles no Brasil. Neste trabalho, será notável a ênfase que a sociedade coreana dá às hierarquias estabelecidas por idade e por gênero, nas relações de poder que envolvem a prática de alimentação, tal qual havia na sociedade da era dinástica na história da Coreia. Ainda, como a tradição e os padrões sociais são impostos, as maneiras à mesa e a cultura da alimentação coreana, por exemplo, praticados no cotidiano das famílias coreanas em São Paulo, tornam-se, por isso mesmo, importantes elementos para a constituição de uma condição identitária própria.
Nas últimas décadas, testemunha-se um aumento cultural e midíático relacionado à diversidade culinária, através do interesse das pessoas em programas como Masterchef, The Taste Brasil, GNT, Receitas, Jamie Oliver, entre outros. Com a importância que vem adquirindo na sociedade e cultura contemporâneas, há demanda e incentivo para a exploração de diferentes cuisines. Percebe-se o mundo cada vez mais globalizado, e os deslocamentos entre cidades e países promovem as adaptações necessárias a fim de atender as demandas de internacionalização de finanças; algumas cidades, geograficamente estratégicas para a operação do comércio e das finanças, chamadas de cidades globais, tornaram-se espaços de produção e implementação de diversidade e intermediações de capacidades complexas (SASSEN, 1998, p. 97). Dentro das condições dispostas por dinâmicas dos fluxos de capital, mercadorias, serviços e informações, há, também, o deslocamento de pessoas. Com foco na cidade de São Paulo, do ponto de vista de um mundo cada vez mais globalizado e com um fluxo dinâmico de imigrantes, faz-se importante a reflexão a respeito da sobrevivência e do fortalecimento de movimentos da comunidade coreana, ao utilizar a gastronomia como campo de manutenção cultural e identitária ante a globalização, observando-se a quantidade de restaurantes e de outros serviços de bem-estar relacionados à alimentação, tais como as mercearias, sorveterias e cafeterias coreanas.
A história da alimentação mostrou que cada vez que identidades características de um país são postas frente a ameaças contra sua integridade, as práticas alimentares, que abarcam desde o preparo da comida às maneiras à mesa, são os lugares privilegiados de resistência. Embora a dieta dos grupos seja distinta, o que pode ser constatado ao estudar-se a cozinha como prática sociocultural, pois cada um deles possui seus próprios hábitos alimentares e comidas típicas, percebe-se, segundo Bonin e Rolim (1991), que “os hábitos alimentares se traduzem na forma de seleção, preparo e ingestão de alimentos, que não são o espelho, mas se constituem na própria imagem da sociedade”, deixando clara a íntima relação que se estabelece entre a alimentação e a cultura de uma sociedade. A partir dessa afirmação, é possível observar que a alimentação tem uma função estruturante na organização social da comunidade coreana em São Paulo, quer se trate de atividade de produção, de distribuição, de preparação e, especialmente, ingestão do alimento preparado, cuja importância reside no fato de a prática alimentar ser o objeto de projeções de significado por parte daquele que consome.